quinta-feira, 3 de junho de 2010

Boscoville "Retratos de um Centro Educativo"

"Boscoville era um espaço físico e humano organizado nos moldes de uma cidade, aí estavam internados jovens delinquentes, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, que deveriam aprender a ser cidadãos responsáveis (Agra, 1992). No centro da «cidade Bosco» (Agra, 1992) situava-se o Hotel da Cidade, composto pela direcção, pelos serviços administrativos, os serviços profissionais (trabalho social, psicologia, psiquiatria, pedagogia), a enfermaria, as salas de reuniões, uma sala de artes e a cafetaria. Do Hotel da cidade tinha - se rápido acesso ao laboratório de ciências, ao estúdio de cerâmica, ao centro desportivo, ao ginásio e outros ateliers. Boscoville era composta por «quartiers», em cada quartier estariam cerca de dezasseis rapazes, e uma equipa composta por um coordenador, cinco educadores, estagiários e um guarda - nocturno. Os «quartiers» dividiam-se em «quartiers» de reeducação e dois de observação, os banlieues, onde se procedia à observação psico-educativa e psicológica dos jovens e à sua integração na vida de Boscoville (LeBlanc, 1983)."

"A concepção de Jovem Delinquente adoptada em Boscoville foi a de Noel Mailloux (1971, LeBlanc, 1983),”…la délinquance est la manifestation apparente d´une condition pathologique latente qui n´entraine aucun préjudice en ce qui concerne la rationalité des individus en cause” (Mailloux, 1971 in LeBlanc, 1983). Os grandes traços comuns aos jovens delinquentes dos 16 aos 21 anos seriam: interiormente ter vergonha de si mesmo mas exteriorizar esse sentimento através de uma completa insensibilidade moral e «fanfarronice»; identificação negativa que leva à compulsão repetida, suportada por atitudes de jovens identificados como incorrigíveis. A isto se juntava uma atitude narcisista que impedia uma aproximação duradoura, amigável e confiante de alguém e uma aversão total a actividades sociais convencionais, em particular, à escola. Integração num gang para se proteger da reprovação do meio e dos apelos ao bom senso. Afastamento de todos os meios que os queriam integrar no seu seio: família, escola, igreja, organizações desportivas, o mundo do trabalho (Mailloux, 1971 in LeBlanc, 1983)."

"Este centro tinha como objectivo transformar a personalidade do jovem delinquente a fim de: ajudá-lo a enfrentar as dificuldades normais de adaptação à realidade usando os seus próprios recursos (Gendreau, 1966, in LeBlanc, 1983); prevenir a reincidência levando o jovem a interiorizar a sua matriz pessoal, os valores e as responsabilidades necessárias à vida em comunidade (Boscoville, 1964 in LeBlanc, 1983); mudar a concepção que o jovem tinha de si mesmo e do outro (Gendreau, 1966 in LeBlanc 1983). O modelo de reeducação de Boscoville era composto por quatro fases: acclimation, contrôle, production et personalité (LeBlanc, 1983). A acclimation compreendia três objectivos: ambientar (fazer com que o jovem se sentisse bem na instituição), controlar o comportamento (criar condições de impossibilidade para o agir delinquente), e despertar no jovem as suas potencialidades, particularmente, a estima por si e a reestruturação das suas cognições. O contrôle girava em torno de três focos, o controlo exterior do comportamento, a integração na vida do grupo e o progresso nas actividades. A articulação destas três componentes pretendia incutir um sentido de responsabilidade aos jovens. A production caracterizava-se por uma maior criatividade, planeamento autónomo e desenvolvimento das suas capacidades de trabalho no exercício das actividades, devia também conduzir a um relacionamento mais autêntico com os outros, o educador e os colegas (Agra, 1992). A última fase, Personnalité, centrava-se no novo estilo de vida do jovem: “…sur les relations interpersonnelles, la structure interne du jeune et ses rapports avec la société et l´avenir (…) Les objectives proposés ont pour fonction de faire réaliser et accepter au pensionnaire qu´il est différent et qu´il ne sera jamais plus le même que le jeune délinquant qui arrivait jadis à l´internat. ”(LeBlanc, 1983, p.51). Esta transformação comportava várias consequências: a nível social ele iria sentir-se capaz de se integrar em meios não delinquentes, a nível intelectual, o jovem poderia aceder ao funcionamento cognitivo adaptado à sua idade. Ao nível dos valores e ideologia ele aprenderia a agir de acordo com as exigências do meio (LeBlanc, 1983)."

"Os resultados mostraram que Boscoville não transformava a personalidade do jovem delinquente mas melhorava o seu funcionamento psicológico. A nível da reincidência, os actos delinquentes diminuíam em diversidade e em quantidade mas aumentavam em gravidade (LeBlanc, 1983, in Agra, 1992). A nível da reinserção social “A Boscoville, il n´y avait pas de suivi de réinsertion sociale organisé pendant une période donné.” (LeBlanc, 1998, p.19 in Gendreau e colaboradores, 1998). "

Neste momento, Em Portugal, é urgente que "os centros educativos para intervirem junto dos jovens deveriam definir de modo rigoroso o que é o delinquente, a delinquência, a reeducação e a reinserção social. Deveriam munir-se de pesquisas científicas anteriores e de boas bases teóricas psicológicas, criminológicas e/ou sociológicas. Deveriam especializar os seus técnicos, apetrechar o centro de bons instrumentos e infra-estruturas e criar uma boa rede de comunicações entre entidades na comunidade. Em concreto deveriam atender às necessidades específicas de cada jovem preparando, dentro das directivas de um projecto educativo geral, os passos precisos de um projecto educativo individualizado. Se estes jovens delinquentes são também o futuro da nossa sociedade, se são seres humanos numa fase especial de maturação da personalidade, pensa-se ser necessário, intervir, prevenir, reeducar, integrar mas de modo correcto. De uma boa ou má intervenção poderá resultar um cidadão responsável e socialmente útil como também um ser humano perdido para o mundo da criminalidade e socialmente problemático."

Mais uma função de um criminólogo e a urgência dos seu trabalho na DGRS (Direcção Geral de Reinserção Social), até para que a LEI TUTELA EDUCATIVA SE CONCRETIZE

"“ A medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam no futuro conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável” (artigo 17º da LTE)"

(Costa, 2010)

Mais em :

Agra, C. (1992). Instituições para jovens delinquentes no Québec, Canadá. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2, 227-246.

LeBlanc, M. (1983). Boscoville: la rééducation évaluée. Montréal : Éditions Hurtubise HMH.

Diário da República. (1999). Lei nº 166/99 de 14 de Setembro aprova a Lei Tutelar Educativa.


I Série- A, nº215.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Portugal: É urgente promover uma Cultura Científica

Perante um país que sente os efeitos perversos de uma crise económica, política, social e de valores, parece-me, e esta é a uma humilde opinião, por si, limitada, de uma aluna que frequenta ainda e só o 2ºano da licenciatura, que Portugal continua um país de pouca sabedoria e sem método, um país que continua a querer mostrar trabalho em discursos vazios e práticas despejadas de cientificidade. Qual é aqui a questão principal?? Fala-se muito em crime, delinquência juvenil e insegurança, urge agir, delinear políticas de intervenção, mas o trabalho fica sempre incompleto, fica sempre por fazer... Que falta aqui? Uma palavra tão simples e tão já dessiminada na sociedade, a Avaliação... Bem, ao ouvirmos esta palavra poderemos lembrar-nos de empresas que prestam determinados serviços e que no fim perguntam: Está satisfeito?, critério altamente subjectivo que não mede em nada a eficácia de um serviço.... Infelizmente é um pouco desta avaliação que se faz... Avaliação com uma lógica empresarial que infectou a administração pública.. Bem, como isto é um blogue voltado para futuros criminólogos, sinto uma enorme necessidade de dizer, que em Portugal há muito ainda a aprender e muito ainda a ensinar e muito ainda a fazer... É urgente criar uma cultura científica, é necessário promover politicas com base cientifica para que sejam eficazes e económicas.

O que é então uma avaliação cientifica??

Em "Introdução à medicina experimental", Claude Bernard explica-o muitíssimo bem...

"Há, portanto, duas operações a considerar em uma experiência. A primeira consiste em premeditar e realizar as condições da experiência; a segunda consiste em verificar-lhe os resultados." (Bernard, 1978, p.35)

Transportando isto da medicina para a criminologia, passarei a dar um exemplo prático de uma avaliação tipo:

Problema: Centro Educativo para menores delinquentes--» quero criar um plano de intervenção de modo a reduzir o comportamento agressivo dos jovens delinquentes.

Selecciono uma amostra de 100 indivíduos, em que 50 farão parte do meu grupo experimental ( aqueles que sofrerão a intervenção) e 50 farão parte do meu grupo de controlo ( aqueles que não sofrem qualquer intervenção).

Escolho um instrumento de recolha de dados--» por exemplo um inquérito que me permita medir os níveis de agressvidade dos jovens que compõem ambos os grupos.

Planifico qual o programa de intervenção: primeiro fazendo uma contextualização teórica com estudos já feitos na área e teorias, por ex: da personalidade, que desenvolvem este traço da personalidade, teorias de cariz mais biológica, que a associam a um gene ou a uma hormona, etc... Delimito qual a estratégia de intervenção ( imaginem que eu queria testar uma nova terapia de grupo em que a partilha e confrontação de experiências pudesse levar o jovem à reflexão e atribuir novos significados ao seu vivido, deixando de ser tão agressivo com os colegas e os técnicos)..

No final da intervenção é necessário passar o mesmo instrumento que apliquei antes da intervenção para voltar a verificar os níveis de agressividade, comparar ambos os grupos e verificar quais os resultados, se foi ou não eficaz naquele contexto.

Há ainda a necessidade de avaliar do rigor e cientificidade da própria avaliação e analisar a aplicabilidade do programa..

isto sim é uma Avaliação, isto sim nós temos de fazer, porque para um país que peca por poucas e más intervenções, pior será se não avalia o que faz para poder, finalmente, produzir conhecimento cientifico e melhorar...

Muito há a fazer na intervenção junto de reclusos, menores delinquentes e em perigo, segurança, vitimação...

Usando um pouco das palavras de um ilustre criminólogo português, Deixemo-nos de pensamentos mágicos e do "terror interventivo" e passemos a intervir a avaliar cientificamente, acrescento eu, Deixemos de meros discursos e ideologias, vamos ao terreno intervir e ver o que funciona ou não, se queremos um lógica de economia e de segurança pública e /ou paz social. 

Qualquer dúvida, chamada de atenção, curiosidade, deixar comentário!!!

sábado, 9 de janeiro de 2010

Mais segurança menos Liberdade


Já vai longe a publicação anónima de "Delitos e Penas" (1764)..... Obra em que Beccaria fundamenta o direito de punir por via do Contrato Social... No estado selvagem os sujeitos andavam em lutas permanentes usurpando os direitos uns dos outros, surge então o contrato, formação de um governo para garantir a paz social, legitimimado pela cedência de uma parte da liberdade de cada um. Os sujeitos submeteram-se a leis, restringindo a sua liberdade, para viverem numa maior segurança, só a quebra desse contrato dava direito a punir.... Esta é uma obra datada do séc.XVIII, mas hoje ao ler "Visions of control" de Cohen revisitei-a, acreditando que todas as teorias têm um fundo de verdade, não morrendo mas dando lugar no palco do conhecimento a pensamentos mais complexos em sociedades mais desenvolvidas. Pergunto-me o quanto hoje cedemos, o quanto hoje restringimos a nossa liberdade cegamente, para obtermos uma maior segurança, numa sociedade que diz ter mais medo, mais insegurança, mais crime, mais vítimas, mais risco...... Hoje, não posso dar um passo, "Sorria, está a ser filmado", há vigilância por todo o lado, este mecanismo tão simples ao qual já tratamos por tu, são uma forma tão evidente de controlo social, de controlo dos meus movimentos.......... Terrorismo, medidas cada vez mais apertadas, quase paranóia, ouvia hoje no telejornal... Um embriagado, o simples despedir da namorada, faz parar o aeroporto, faz cair em cima de todos os cintos apertados da vigilância do controlo social..... O crime..... O Homem na luta contra o crime fica cada vez menos livre, mas mesmo assim se sente cada vez mais inseguro... Que paradoxo tão injusto...
Não consigo deixar de imaginar as sociedades contemporâneas como robôs, alvo de um poder ainda mais forte e em expansão que de tão dissimulado, aparece desconhecido, até menosprezado por alguns, o controlo social... Já falava M.Foucault do Surgimento a partir do séc. XVIII, XIX da expansão de uma anotomo-política do corpo e de uma biopolítica da população, trocando por miúdos, num controlo cada vez mais apertado sobre cada um e sobre todos ao mesmo tempo. Na sociedade disciplinar cada individuo é classificado, avaliado, identificado, vigiado, para se potencializar as suas capacidades num espaço e tempo cada vez mais aproveitado em favor da rentabilidade.... Não poderemos arriscar e dizer que hoje é o que acontece numa sociedade selectiva que separa o jóio do trigo.... A par temos medidas maciças do controlo de toda uma sociedade anónima,como as medidas politicas de incitamento à natalidade....... Rober Castel fala da "Sociedade do Risco" fazendo imediatamente lembrar as seguradoras que a todo o instante nos reduzem a cálculos probabilisticos, económicos , de probabilidade do não acontecer ou do acontecer.....
Exclusão Social, será que os apoios dados não são uma forma de garantir um certo de estado de acalmia nessas massas, que na realidade sabemos que nunca se vão integrar, não será mais uma forma de controlo social, não serão as prisões uma forma de retirar da sociedade aqueles que nos fazem mal, não será hoje a policia, tribunal, justiça restaurativa, probation, mediação penal, os apelos à comunidade, a expansão de tentáculos cada vez mais fortes que nos tentam controlar diarimente...... Uma forma de "apanhar mais gente nesta malha do controlo social formal", estará mesmo o crime a aumentar, haverá mesmo mais insegurança?? ou estaremos a criar mitos, perdendo liberdade, em favor de uma segurança que muitas vezes dá nome a razões a nós desconhecidas.....

Tanto que fica por dizer.... Sistemas de Controlo Social, unidade curricular que nos ensina a ver o mundo de uma maneira quase asfixiante, na descoberta do poder evidente e escondido que  a cada dia nos vigia, no alcance do criminoso e da nossa segurança.....


"O quanto está o Ser Humano disposto a pagar da sua Liberdade em favor da Sua Segurança"


Sugestões:

Cohen, S. (1985). Visions of social control: crime, punishment and classification (2005 – reimp.). Cambridge: Polity Press.

Foucault, M. (1975). Surveiller et punir: naissance de la prison. Paris: Gallimard.
Foucault, M. (1997). If faut défendre la socíété: cours au Collège de France (1975-1976). Paris: Gallimard.
Foucault, M. (2004). Sécurité, territoire, population: Cours au Collège de France (1977-1978). Paris: Gallimard.
Garland, D. (2002). The culture of control: crime and social order in contemporary society. Chicago: The University of Chicago Press.

Feeley, M. e Simon, J. (1992). "The new Penology: notes on the emerging strategy of corrections and its implications". Criminology, 30(4), 449-474