domingo, 20 de dezembro de 2009

Relação Droga Crime

“Levando por diante a metáfora da experiência comum, quando se refere à droga e ao crime como «mundo», diremos que para além do «mundo da droga» e para além do «mundo do crime», existe um terceiro mundo desviante, «o mundo da droga - crime»” (Agra, 2008, p. 110).
 (Agra, C. (2008). Entre Droga e Crime. Actores, Espaços, Trajectórias. Cruz Quebrada: Casa das Letras.)

Tendenciosamente o senso comum é levado a traçar uma relação determinista e unidireccional entre estes dois fenómenos,- Droga leva ao Crime,- é um juízo comum partilhado erradamente por uma grande parte da massa populacional. Esta mania de coisificarmos o mundo, descomplexificando-o num pensamento simples, leva-nos muitas vezes a cair em juízos falseados e empiricamente vazios. Para compreendermos fenómenos tão complexos como a droga e o crime é necessário alargar o nosso horizonte, abrir a mente, e olhar bem mais longe, bem mais profundo, procurando um saber fundamentado cientificamente para reflectirmos de modo mais coerente sobre a realidade humana. Como pode o sistema de justiça, o governo, o direito penal, aplicar políticas adequadas a estes fenómenos senão apelarem ao saber criminológico? Se não apelar a um saber integrado e multidisciplinar que de modo racional e científico vai ao encontro das manifestações humanas, as estuda, revelando À vista daqueles que se fundam em juízos apressados, ideologias, falsas pedagogias, uma aproximação daquilo que poderá ser a demonstração e explicação do que realmente poderá acontecer.

Os mais simplista diriam: Erradicar a droga para erradicar o crime, Impossível, completamente impossível... do mesmo modo que nem toda a criminalidade poderá explicar a toxicodependência, nem toda a toxicodependência pode efectivamente explicar o crime.

Baseado em estudos empíricos aprofundados e levado a cabo por escolas tão importantes, como por exemplo, a Escola de Criminologia Portuguesa, neste momento «sediada» na Faculdade de Direito da UP,    ou a l´Unité de recherche en toxicomanie du Centre internacional  de criminologie comparée de L´Université de Montréal, surgiram dois modelos explicativos sobre a Droga-Crime elaborados por Cândido da Agra ( Modelo Explicativo) e Sèrge Brochu (Modelo Integrativo).

Ambos os modelos são bastante complexos e dificeis de explicar, vou optar pelo primeiro, tentando ser o mais exacta e o mais breve possível...

Durante 5 anos (1991- 1996) um grupo de catorze investigadores explorou a relação entre Droga-Crime partindo de 5 indicadores: os comportamentos, os indivíduos, os contextos eco - sociais, as trajectórias e a história da criminalização. Foram aplicados métodos quantitativos, como um inquérito aplicado aos estabelecimentos prisionais,  e qualitativos, como a biografia, a observação directa em bairros da periferia urbana e a etnometodologia, na recolha dos dados. Através dos resultados obtidos e partindo da revisão de uma vasta literatura que já falava em modelos estruturais, causais e processuais, surge o modelo explicativo.

Reafirmo que é um modelo bastante complicado mas afirmo também que os interessados poderão consultar os doze (?) volumes resultantes desta investigação ou a sintese do mesmo que se encontra no livro Agra, C. (2008). Entre Droga e Crime. Actores, Espaços, Trajectórias. Cruz Quebrada: Casa das Letras.

Num traço geral e caindo um pouco no «pecado da coisificação» este modelo diz existem três tipos de estilos desviantes ( alguém que opta por uma vida contrária às normas convencionais): o estilo toxicomaníaco, o estilo delinquente e o estilo droga – crime, que divergem entre si devido a factores biopsicológicos, sociais e biográficos. O toxicómano só consome substâncias psico-activas e não é visto como delinquente do ponto de vista biopsicossocial e de contextos de vida. O delinquente opõe-se ao anterior quanto às mesmas dimensões. No entanto, existem indivíduos que comungam das duas coisas: praticam crimes e consomem drogas, pertencendo ao estilo da formação droga -crime. No estilo da formação droga-crime temos três trajectórias desviantes ( individuos que cujo processo de vida passa por várias fases evolutivas ao longo do tempo): o toxicodependente- delinquente, o delinquente-toxicodependente e o especialista droga-crime.
Delinquente- Toxicodependente "A actividade desviante, que emerge por volta dos 11 anos, é um continuo que vai desde o absentismo escolar aos comportamentos pré-delinquentes, anunciadores de uma actividade criminal precoce. (...) Os primeiros contactos com as drogas leves ocorrem preferencialmente antes dos 16 anos, a integração na subcultura delinquente ou pré-delinquente."  (Agra, 2008, p. 48)

Especialista Droga Crime: "Os comportamentos delinquentes  emergem entre os 17 anos e os 19 anos com a prática de furto e roubo. Contudo, desenha-se já uma tendencia para a pratica de trafico de estupefacientes." (idem, p. 49)

Toxicodependente- Delinquente: "Os primeiros contactos com drogas leves ocorrem maioritariamente entre os 14 e os 16 anos e o consumo de drogas duras inicia-se, preferencialmente, antes dos 19 anos. Os delitos (roubo/furto ou tráfico) emergem posteriormente ao consumo de drogas duras e são justificados pela necessidade de manutenção do consumo." (Idem, p.50).

Os estados  de envolvimento da formação droga-crime: expressão operotrópica (no qual o consumo de drogas e a prática de crimes surgem como comportamentos relacionados), circularidade oclusiva (especialização na formação dtoga-crime) , integração (caracteriza-se por uma forte interdependência entre a droga e o crime, por ser cada vez menos evidente as propriedades particulares da droga e da delinquência, ou seja, a toxicodependência não funciona sem a delinquência, nem a delinquência sem a toxicodependência)e implosão (Aqui prevalece a dependência, pois o indivíduo realiza tudo o que for necessário para adquirir droga não se importando minimamente com a prática de crimes e as suas consequências).

E como dizia Brochu, o homem é dotado de vontade, sendo capaz de valorar os seus comportamentos, sejam eles convencionais, delinquentes ou toxicodependentes, podendo haver então uma evolução nestas trajactórias desviantes, podendo haver uma desistência ou uma estagnação. Enfim a tudo isto há que juntar a imprevisibilidade humana e toda a multiplicidade de factores de risco e protecção que influenciam o indivíduo no seu dia-a-dia.

E voltando à frase de início, ambos os fenómenos são altamente complexos, podendo dar as mãos, ou simplesmente caminhar lado a lado sem se tocarem!